sábado, 26 de julho de 2008

Joseca - Smoky

Viajeros - Haciendo Dedo

Saímos de Encarnación e fomos para Posadas, cidade Argentina na fronteira com o Paraguai, com o objetivo de pegar nossa primeira carona, com destino a Santa Fé. Era hora de levantar o dedo, ou "hacer dedo", como dizem por lá.
Fizemos uma plaquinha, ficamos nos revezando no acostamento com o braço estendido e o dedo levantado e nada. Até que um senhor que estava passando de bicicleta parou: "Olha, eu não quero ofender, mas vocês não vão conseguir carona para Santa Fé, muito menos aqui. Peçam carona para Corrientes, que é caminho, e lá vocês tentam ir para Santa Fé. E é melhor vocês irem um pouco mais para a frente, porque aqui vai ser difícil".
Pegamos nossas mochilas e fomos caminhando, com a língua de fora, até encontrarmos umas lojinhas de beira de estrada. Mudamos nossa placa, ficamos em posição e nada. Depois de um tempo um carro parou, mas não era para dar carona. "Aqui não é bom para pedir carona, vocês vão ficar parados aí até amanhã. Vocês têm que andar umas quinze quadras e parar logo depois da saída da cidade."
E fomos. O sol já estava quase se pondo quando chegamos lá. Mas não desistimos. Na casa à frente um senhor sentado na varanda admirava o lindo pôr-do-sol alaranjado. Na esquina, na entrada para o aeroporto, um rapaz fazia flexos (!). Carros foram chegando e estacionando na esquina em frente. Não entendi o que estava acontecendo, era uma região bem remota, depois pude ver que se tratava de uma reunião de amigos atrás do ponto de ônibus da entrada para o aeroporto (!?). A coisa estava ficando surreal. E nada de carona.


Thiago haciendo dedo ao pôr-do-sol

Lá pelas oito horas da noite tivemos visita. Era Sergio, um estudante de música que veio pegar carona também para Corrientes, onde sua família mora. Também era a primeira vez que pedia carona. Ofereceu cigarros, tocou violão e perguntou se tomávamos mate. À nossa afirmativa ele saiu correndo, foi até a festa-atrás-do-ponto-de-ônibus e voltou com sua térmica cheia de água quente. Ficamos tomando chimarrão até ele ir tentar carona mais para a frente. Nós ficamos. E nada.
Já devia ser tarde, estava frio, sabíamos que era hora de procurar algum lugar para passar a noite. O Thiago queria acampar, mas eu não achei o lugar que ele sugeriu muito seguro e ele achou o mesmo do lugar que eu sugeri. Fomos dormir no aeroporto - graças a Deus, caiu o maior temporal de madrugada.


Thiago e Sergio.

Dormimos mal, comemos mal (comida de aeroporto é cara...), mas fomos tentar mais uma vez. Depois de algumas horas na estrada um carro parou. Estávamos os dois em pé, pedindo carona com a mochilona nas costas - uma tentativa deseperada de impressionar. Parece que deu certo. Quase não acreditamos. Eu fui até o carro e o cara perguntou aonde queríamos ir. "Para Corrientes", eu respondi. "Então vamos", disse ele. E desceu do carro para ajudar a guardar a bagagem.
Era uma caminhonete fechada. Hugo era o nome do motorista. Ele falava português, já tinha viajado oito meses pelo Brasil, numa experiência parecida com a nossa. Estava indo visitar seu filho de sete anos. "Se não fosse por ele, eu me mandava para o Brasil", confessou. Acho que ele se reconheceu em nós.
Eu dormi quase todos os 400 km - estava exausta. Ele foi muito legal, passou seu contato para mandarmos notícia e nos deu de presente um mapa rodoviário da região sul da América do Sul. Ficamos em Resistencia, logo depois de Corrientes, já na província do Chaco. Tentamos carona para Santa Fé, mas não conseguimos. Passamos a noite na loja de conveniência de um posto de gasolina e depois do segundo dia pedindo carona sem sucesso desistimos. Seguimos o conselho de um policial que tentou nos ajudar a conseguir carona e ficamos em Resistencia mesmo. "Uma cidade bonita, com muita cultura", disse ele. Nos convenceu.


Eu pedindo carona - Resistencia, Chaco. Foto de Thiago.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Donde Miras - Urucum





Donde Miras - Questão guarani

Ao passar por aldeias guaranis, algumas questões inevitavelmente vêm à tona. Eles vivem praticamente isolados, em territórios determinados e protegidos - uma grande prisão para que tenham a possibilidade de conservar sua cultura

Os guaranis, nativos de grande parte do território brasileiro, foram mortos, escravizados, roubados, aculturados e hoje vivem de cestas básicas do governo. Com valores completamente diversos daqueles vigentes em nossa sociedade capitalista, foram banidos desse tempo. Vivem à margem da sociedade, atrás de cercas, para que não tomem o pouco que lhes sobrou.


Menino na Aldeia Rio Branco, Itanhaém.

Martim Afonso, o primeiro escravagista do Brasil, é tido como herói e tem seu nome em ruas e instituições públicas. Já os índios mortos foram esquecidos. Não sabemos da cultura indígena. No dia do índio as crianças colocam cocares como o fariam com qualquer fantasia de carnaval. A sociedade "branca" nega suas origens.

Os jesuítas também têm seus nomes em ruas e são lembrados como nobres homens que trouxeram a palavra de Deus aos índios selvagens. Padre Anchieta conta com milhares de devotos. Mas que direito o homem branco tinha de trazer sua verdade como A Verdade, que Deus é esse que priva o homem de sua cultura e suas crenças? Ouvi uma história de um guarani que virou crente e chorava desesperadamente porque acreditava que todos os seus antepassados estavam no inferno.

Os guaranis nos mostraram sua receptividade, seu sorriso fácil, sua harmonia com a natureza e a capacidade física natural do homem, que o povo da urbes esqueceu sentado no sofá em frente à TV. Também nos mostraram as imensas dificuldades que enfrentam, a pobreza, o alcoolismo e a falta de identidade cultural daqueles que não são nem rurais nem urbanos, no limbo entre sua ancestralidade guarani e a civilização atual. A sociedade enterrou o índio, mas ele está vivo, sufocando. Seus gritos são ouvidos, vindos debaixo da terra. É hora de descavar.

Donde Miras - Fazendo biju

Viajeros - O país da informalidade

Uma característica paraguaia quase sempre esteve presente: a informalidade. Assunção provavelmente concentra o maior índice de vendedores ambulantes por metro quadrado. Chipas - um tipo de broa bem típica do Paraguai, maçãs, chicletes, óculos escuros, capas de celular, cigarros, ou seja, quase tudo que se possa imaginar sendo vendido nas ruas. E nos ônibus. Os vendedores podem entrar sem pagar passagem, oferecem seus produtos e descem. É muito bom quando se está cansado e com fome e aparece um vendedor com chipas quentinhas. Essa é a parte agradável, mas as altas taxas de trabalho informal refletem a difícil condição do país, que não é capaz de gerar empregos suficientes para sua população.

O Paraguai é informal também em outro sentido - no jeito de ser do seu povo. Um exemplo: encontramos a filha de Demétrio Ortiz, um tradicional músico paraguaio, numa homenagem a seu pai no museu de Ypacaraí. Ao fim da cerimômia, ela convidou todos a visitar o museu de seu pai, que mantém em sua casa em Assunção. Conversamos com ela, que nos passou seu endereço e telefone. Disse que estaria nos esperando sábado à tarde e pediu para ligarmos para confirmar a visita. Eu liguei no sábado, como marcado, e o marido dela atendeu: "Ah, é a brasileira? Vocês não querem vir aqui hoje à noite, vai ter música, churrasco..."; enfim, nós fomos.


Maria, filha de Demétrio Ortiz, e seus convidados.

Pensamos que não passaria de alguns amigos tomando cerveja e cantando à memória de Demétrio Ortiz, o que foi, no final das contas. Mas nos surpreendemos quando percebemos que estávamos num jantar com importantes músicos. Tratava-se do aniversário de trinta anos da morte do homenageado. Inclusive maestros estavam presentes para tocar a música tradicional paraguai, e em especial, um pouco da obra de Demétrio Ortiz. Os mais velhos talvez lembrem de "Mis noches sin ti e "Recuerdos de Ypacaraí", as mais regravadas músicas paraguaias, ambas de Demétrio Ortiz. Aliás, o nosso renomadíssimo Caetano Veloso tem em sua discografia uma versão de "Recuerdos de Ypacaraí" no albúm Fina Estampa.

Demétrio iniciou sua carreira em 1943 com o "Trio Asunceno", com o qual excursionou pelo Brasil em 1946. No ano seguinte, uma sangrenta guerra civil conturbou o Paraguai. O músico, assim como muitos compatriotas, migrou para Buenos Aires, onde integrou-se a diversos conjuntos, além de dar aulas de dança folclórica na Casa Paraguaia. Faleceu em 1975 na capital argentina, pouco depois de concluir sua autobiografia "Una guitarra, un hombre... Demétrio Ortiz".


Lucio Marín no violão; atrás, o marido de Maria.

Harpa, violões, maracas e várias vozes. Não sabíamos se tirávamos fotos ou apreciávamos a boa música. Tentamos fazer os dois. E mesmo entre artistas renomados fomos muito, muito bem recebidos. O músico Lúcio Marín e sua esposa fizeram questão de passar o telefone e o endereço de sua casa, para visitá-los da próxima vez que estivermos em Assunção. Ele nos contou (algumas vezes, depois de alguns vinhos) da vez que conheceu Pelé, mas concordou comigo que o melhor jogador da história de fato foi Garrincha. Foi uma noite maravilhosa, que me deixou encantada com a cultura e com o povo paraguaio.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Donde Miras guarani

Percorrer a América Latina a pé promovendo a cultura. Esse é o objetivo da Expedición Donde Miras, um grupo de mais de 50 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com arte. A expedição partiu no dia quatro de julho de São Paulo no segundo trecho de sua caminhada cultural, de São Paulo a Cananéia, contornando o litoral sul paulista. A primeira etapa ocorreu em janeiro deste ano e foi desde São Paulo até Curitiba pelo interior.


Aldeia Tenonde Porã.

O ponto de partida da segunda etapa foi a aldeia guarani Tenonde Porã, situada no bairro paulistano Parelheiros. O aspecto, porém, é de cidadezinha do interior - nem vestígios do ar da metrópole.
O grupo foi recebido com biju, mandioca, milho e batata doce, e recebeu a proteção guarani no ritual na Casa de Reza, entre dança, cantos e fumaça.


Milho na brasa.

A trilha
No dia seguinte, integrantes da aldeia guiaram a expedição numa trilha no meio da mata até a aldeia guarani Rio Branco, a trinta quilômetros de distância. Foram doze horas de caminhada passando por ruas de chão batido, trilho de trem e a decida da Serra do Mar em plena Mata Atlântica.


Trilho do trem.

A noite caiu e a trilha não acabava. Um grupo encontrou outra aldeia guarani na qual a maioria dos habitantes não fala português. As crianças se divertiram com os numerosos viajantes, apesar de não se comunicarem no mesmo idioma. Os adultos se mostraram mais cautelosos, mas permitiram que se acendesse uma fogueira até a chegada dos retardatários.

Com todos reunidos novamente, era hora de atravessar o rio, último obstáculo para chegar ao próximo destino, a aldeia Rio Branco, já no município de Itanhaém. O rio estava baixo. Uma corda foi estendida de ponta a ponta e, sob a luz das lanternas, os caminhantes cruzaram as águas e, exaustos, chegaram à aldeia. Apesar do cansaço, um breve sarau foi realizado à noite.


Integrantes da expedição descendo a serra.

Muitas dores nos pés, pernas e coluna - menos para os guaranis. Eles descem a serra correndo, demonstrando imensa intimidade com a mata nativa. Contaram que, em ritmo acelerado, realizam o mesmo percurso em quatro horas, um terço do tempo que levamos.


Dois de nossos guias guaranis.

A trilha percorrida integra o Peabirú, caminho guarani que permitia a comunicação entre diversas aldeias desde o Atlântico até o Pacífico, e posteriormente foi utilizado pelos jesuítas e bandeirantes. O Peabirú parte de São Vicente e passa por Paraguai, Argentina, Bolívia e Peru.