segunda-feira, 28 de abril de 2008

A maldição da José Cadilhe - parte II



Curitiba, bairro Água Verde, rua José Cadilhe. Aparentemente uma rua qualquer. Aparentemente.
As primeiras gravações de A maldição da José Cadilhe - parte II ocorreram neste último fim de semana. O curta, com direção de Guilherme Pau y Biglia, vulgo Beá, é continuação de A maldição da José Cadilhe, filmado há três anos pelos então calouros de Comunicação Social Beá, Foba (Giuliano Batista) e Bruno Reis. Na parte I, Cláudio - interpretado por Roliúde, misteriosamente é levado até a rua e absorvido por ela. Suas vítimas tornam-se seus escravos e soldados. Os desígnios da rua, ninguém conhece. O que se sabe é que se ela te escolher, não tem saída.
Na parte II, Júlia - interpretada por Larissa Jorge, apresenta-se para uma entrevista de emprego. Mas algo não a deixa sair da rua.
Além de Júlia e Cláudio, o curta conta com a participação de Eduardo Amatuzzi como cego e Ciorímau como Mendigo. O roteiro foi escrito pelo saudoso Foba, agora na Irlanda, e a direção de fotografia é de Bruno Reis.

Os atores


O cego.


O mendigo.


Júlia.


Cláudio.

Mais fotos das filmagens em www.casatrushna.blogspot.com

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Viajeros - Questão de desordem

Quem controla a minha vida?
Minha família? O dinheiro?
A preocupação com a estética?
Meus sonhos e ideais?
Meu corpo, como consciência de matéria?
Minhas aspirações profissionais?
Meus laços de amizade, de sangue, de sentimento?
Tudo isso. Ou nada.

Cruz e Sousa diria que o corpo é o cárcere da alma. Temo discordar. A maior das prisões é quando fazemos nossas as exigências do mundo. Amadurecer, estudar, casar... "Um emprego e uma namorada, quando você crescer".
Buscamos esses padrões de segurança, mesmo contra nossa vontade, mesmo quando duvidamos desses estigmas sociais. Deixamos de lado nossa pureza, nossas loucuras, nossa dúvida existencial, para continuarmos rodando a engrenagem social.

Capitalismo selvagem, selva de pedra
Olho por olho, dente por dente.

Assim nos tornamos quem somos - atores procurando destaque no cenário mundial.

Reflexão trocada por verdades prontas
Cultura por entretenimento
Filosofia por auto-ajuda
Amor por atração
Sonhos por dinheiro

Tudo isso porque queremos, porque aceitamos o mais cômodo, embalado e pronto para consumo. Não sabemos mais ousar. Temos medo do futuro.
Tememos a noite, mas nos sentimos atraídos por ela.
O imprevisível nos fascina, mas fazemos tudo para evitá-lo.
Cada vez mais procuramos por "aventuras seguras nos fins-de-semana" para quebrar a rotina. Mas somos nós que construímos a rotina.

Procuramos nossa "cara metade", "alma gêmea", "o amor de nossas vidas". Não sabemos aceitar os outros. Evitamos olhar nos olhos. Temos medo de nos expor, de transparecer nossas fragilidades e inseguranças. Criamos uma personagem social para esconder nossa real personalidade, ocultando nossas características mais pessoais e humanas.

Temos medo da solidão.
Temos medo do escuro,
do sofrimento, da desilusão.
Temos medo da vida.

Vivemos num quarto frio,
com paredes padronizadas de tempo e espaço.
Olhamos a vida pela janela
com olhos de fascinação e medo.
Poucos ousam pular.
Costumamos chamá-los de loucos ou gênios.
Eu os chamo de livres.




Esse texto eu escrevi em Curitiba um pouco antes de sair de viagem. Encontrei-o no meu caderninho, onde rascunho os textos. A citação é de Raul Seixas, da música "Quando você crescer".

Viajeros - nos fluxos da América do Sul

Recomeça a viagem pela América do Sul. O livro passou por diversas mudanças no processo de trabalho de conclusão de curso e ontem dei um "final cut". Até o nome mudou! Estarei postando um ou dois textos da viagem por semana, sem a divisão de capítulos que existe no livro (afinal, livro é livro, blog é blog). Última chamada para embarque!



Um velho sonho e uma mochila


Thiago e eu - foto de Manoela Paranhos


Não sei desde quando tenho essa vontade de viajar. Acho que desde sempre. Lembro que quando era criança eu queria muito ver neve e conhecer o Egito. Lá pelos treze anos queria ir estudar num colégio interno com umas amigas em Maringá. Meus pais não deixaram. Mais tarde, a onda era fazer intercâmbio. Minha mãe decidiu que receberíamos uma intercambista antes, para saber como era. E no ano 2000 chegou a Emma, da Austrália, que ficou um ano com a gente. Foi tão legal que até meu pai gostou. Falou em recebermos uma italiana. E em julho de 2001 foi a vez da Valentina, ela passou seis meses na nossa casa. Acabei desistindo do intercâmbio. Não sei, me pareceu meio parado ficar um ano em uma casa de família. Decidi adiar, sempre cogitando possibilidades, fazendo possíveis planos. Pensava muito na Itália, na Grécia - sonhos europeus.
Vim para Curitiba estudar Comunicação Social, e conheci o Thiago. Desde nossos primeiros momentos juntos fazíamos planos de viagem - não sabíamos muito bem para onde, como ou por quê; era simplesmente uma vontade de se aventurar pelo mundo. Trabalhamos no Banco do Brasil para juntar dinheiro. Passamos no concurso meio sem saber o que estávamos fazendo, quando vimos estávamos dentro de uma agência. Foi horrível, definitivamente um trabalho que não combina com nenhum de nós dois (verdade seja dita, acho que não combina com ninguém). Trabalhei seis meses, o Thiago onze.
Eu estava fazendo curso de italiano e procurando alguma bolsa na Itália. O Thiago pensava em viajar um pouco por países latino-americanos e depois me encontrar na Europa para mochilarmos juntos. Até que um dia caiu na minha mão uma edição especial da revista Caros Amigos sobre Che Guevara. Surgiu dentro de mim uma vontade imensa de conhecer a América Latina. Lembro que saímos empolgadíssimos do Cine Luz depois de assistir Diários de Motocicleta. Nós dois, conversando, descobrimos uma maneira de viajar e ainda fazer o TCC - Trabalho de Conclusão de Curso.
Claro! Faríamos nosso trabalho na viagem. Já tínhamos um motivo: "olha mãe, tô indo viajar pela América Latina." "Como assim, minha filha?!" "Não mãe, fica sossegada, vou fazer meu TCC. Vai ser um ensaio fotográfico sobre o músico latino-americano." Pronto. Atendidas as normas de segurança social, era hora de pensar objetivamente na viagem - por onde começar, quando começar e por onde seguir.
Falando desse jeito parece que foi tudo planejado - "ah, vamos fazer o TCC pra ninguém encher o saco". Mas não foi. Acho que quem mais precisava dessa segurança de que estaríamos fazendo alguma coisa "séria" éramos nós mesmos.
Compramos máquinas fotográficas usadas de boa qualidade, filmes, mochila, saco de dormir, isolante, barraca, entre muitas coisas mais. Pensávamos que a grana que tínhamos não seria o suficiente para percorrer tudo o que pretendíamos, por isso o Thiago começou a aprender artesanato. Aliás, megalomaníacos! A idéia era sair pelo Paraguai, passar por Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, subir a América Central e chegar até Cuba. E não acabava por aí. Na volta passaríamos pela Venezuela, Guianas, Suriname e Brasil, até chegar de volta ao sul. Tudo isso em um
ano, que foi o prazo que cumprimos para voltar e retomar a faculdade.
E assim foi até que roubaram minha mochila onde estavam o cartão de crédito e minha máquina fotográfica. Alguns males realmente vêm para o bem. Esse episódio nos fez repensar - afinal, o que estávamos fazendo? O TCC foi uma invenção. Nós saímos do Brasil com um conhecimento rudimentar de foto, estávamos aprendendo tudo na prática. Além do mais, não estávamos nos dedicando ao estudo dos músicos. E, sem o cartão de crédito, a única maneira que encontrei para sacar dinheiro foi através da Western Union, que cobra uma taxa altíssima pelo serviço. Foi aí que jogamos tudo para o ar: decidimos viver só da grana que conseguíssemos trabalhando, eu também comecei a me dedicar ao artesanato e a utopia de chegar a Cuba caiu por água abaixo. Ficaríamos o quanto desejássemos onde desejássemos. Um outro ritmo, um outro próposito - uma nova viagem.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sinta-se em casa



Bem-vindo ao Campo de Mi. Esse blog é uma maneira de compartir o que tenho produzido em foto e texto - histórias da Ilha do Mel, reflexões e fotos em geral e as histórias da viagem pela América do Sul reeditadas.
Sinta-se em casa!

Troca-troca na Ilha do Mel

Ele trocou uma TV por um terreno na Ilha do Mel. Não acredita? É sério! E nem faz tanto tempo assim. Foi em 1993. Então senta, que lá vem história...

Pedrinho vivia em Londrina e desde os 18 anos freqüentava a ilha esporadicamente. Segundo ele, aquilo lá era só mato. Na orla da praia das Encantadas, que hoje é polvilhada por restaurantes, barzinhos e pousadas, tinha um restaurante aqui, um quiosque ali e só. A namorada ia junto. O tempo passou, ele casou, teve filhos... e se separou. Então ele fez sua trouxinha: pegou roupas, TV, colchão, martelo, serrote e foi, decidido a passar um bom tempo na ilha. "E eu nem sabia pegar num martelo", confessa Pedrinho. Chegou para seu amigo Carlos, que era dono de uma lanchonete e hoje tem um restaurante, e pediu para ficar num quartinho. "Beleza", disse o Carlos, "é só pagar a conta de luz".
E ele ficou, estendeu o colchão, instalou a antena e sossegou. Uns dias depois aparece o Carlos: "Ô Pedrinho, meu cunhado tá querendo uma televisão; cê não faz negócio com ele?". "Manda ele vir", disse o Pedrinho. O sujeito queria trocar um terreninho pela TV. O Pedrinho, que não é bobo nem nada, aceitou. Ele já tinha o terreno. Agora faltava a casa.
Pedrinho foi para Maringá, onde seu irmão morava. Trabalhou um mês por lá e juntou 350 reais. "Nessa ilha não tinha como juntar dinheiro", ele conta. Voltou e por 150 reais comprou uma casinha velha. Segundo ele, só os primeiros 30 centímetros de madeira estavam meio podres. Teve que aprender a usar o serrote e o martelo. Tirou todas as tábuas certinho, numeradas, serrou a parte velha da madeira, e montou outra casa igualzinha, só trocou as madeiras de sustentação do tellhado. "Ficou bonitinha, toda pintada, com as janelinhas brancas", se gaba Pedrinho.
Um belo dia apareceu um cara que gostou da casinha. "Três mil e quinhentos e negócio fechado", ofereceu Pedrinho. E se deu bem. Mas ele não parou por aí. Com mil e quinhentos comprou uma outra casa, a qual reformou, e lá montou uma pousadinha. Até que surgiu outro interessado. Esse tinha uma casa grande, também na ilha, que precisava de uma reforma que custaria sete mil. Propôs dar os sete mil da reforma e trocar de casa com o Pedrinho. E, mais uma vez, ele aceitou. Reformou a casa e um tempo depois apareceu mais um interessado. Dessa vez ele pediu setenta mil mais os três mil do corretor. E esse foi o derradeiro trato.
Com essa grana Pedrinho comprou uma casa, um carro e saiu viajando durante um ano por esse Brasil. Realizou seu velho sonho de cair na estrada e gastou tudo que podia. Até que resolveu parar. Vendeu o carro, voltou para a ilha e montou um camping em sua casa. Hoje ele tem cinqüenta anos e acaba de voltar de uma viagem de um mês por Argentina e Chile. Já planeja a volta.
Essa é a história de Pedrinho, que nasceu com o tal virado para a lua e tem muito tutano na cabeça.

O Sol





Aos contemplativos

Há um notável quadro do pintor Kramskói, intitulado O Contemplativo. Uma floresta no inverno; sobre a estrada vê-se um mujique, vestido com um cafetã rasgado e com sapatos de tília. Ali está numa solidão profunda e parece refletir, mas não pensa, contempla alguma coisa. Se se desse nele um encontrão, estremeceria e olharia como quem desperta, mas sem compreender. Na verdade, voltaria logo a si, mas se lhe perguntassem em que pensava, certamente não se lembraria de nada, mas, em compensação, decerto guardaria para si a impressão sob cujo império se achava durante sua contemplação. Essas impressões são-lhe caras e se acumulam nele, imperceptivelmente, sem que o perceba; com que fim, ele o ignora. Um dia, talvez, depois de havê-las armazenado durante anos, deixará tudo e partirá para Jerusalém, a fim de tratar de sua salvação. Ou então deitará fogo à sua aldeia natal, talvez faça mesmo as duas coisas sucessivamente.
Trecho de Os irmãos Karamázovi, Fiódor M. Dostoiévski.


Contemplar, meditar, entrar em êxtase com o universo; não seriam acaso o mesmo? Certamente, das contemplações armazenadas, podem-se derivar os mais loucos produtos: a queima da aldeia natal, uma peregrinação santa ou um livro magistral. Não seria Dostoiévski um desses contemplativos?
Literatos, fotógrafos, compositores e intérpretes são alguns daqueles que manifestam o produto de suas contemplações. Com o tempo elas vão se concretizando, como egrégoras que sob o império da criatividade tomam formas inusitadas.
Contemplar é ver através dos olhos de Deus.

Pega, Rex!